16 de março de 2013

Uma festa refinada

Passei a semana pensando em como falar de um filme muito especial, e me lembrei de uma aula na faculdade, onde um queridíssimo professor de Literatura e Lingüística instigou os alunos com a seguinte fala: Deveriam proibir a leitura de Machado de Assis antes dos 18 anos ou mais. 

Intrigados, perguntamos o porquê, já que Machado é um dos maiores escritores mundiais, orgulho nacional! Ao que ele responde: 

- Machado é para ser degustado. É preciso ser um gourmet para isso. Antes dos 18, 20, 30 anos, somos apenas gourmand. 

E isso me perseguiu durante esses dias. Buscando os significados para cada expressão, encontrei sutilezas entre os conceitos. No geral, gourmand é aquela pessoa que come por prazer, porque gosta do ato de comer em si. O gourmet é a pessoa que busca a degustação, o refinamento, a boa comida, sentir o aroma, sentir cada gosto, quase como uma experiência ao comer. 

O que, automaticamente remeteu ao filme A Festa de Babette (Babettes gæstebud), um filme dinamarquês de 1987, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. 

Na história, a misteriosa Babette, fugindo da França, chega a uma pequena vila na Dinamarca e é acolhida pelas duas filhas do rigoroso pastor local. Alguns anos depois, ela ganha na loteria e decide preparar um grande jantar para os habitantes do lugar em comemoração ao centenário do pastor.


Os habitantes ficam apreensivos e temerosos, afinal, aceitar um jantar preparado por uma francesa, poderia ser um pecado dos grandes! Mas Babette, tão bem acolhida pelas pessoas do vilarejo, quer retribuir de alguma forma. Compra então, as mais variadas iguarias para o tal jantar. Quer que eles tenham essa experiência de gourmet, sentir o verdadeiro sabor das coisas, ter esse prazer despertado, fazer, através das comidas e bebidas, com que tenham uma experiência quase divina e que sim, poderiam chegar aos céus não só pela reza, mas também pelo despertar dos sentidos, e ter um encontro com algo que nunca sentiram: o prazer da degustação. 

Belíssimo filme, A Festa de Babette nos leva a um mundo em que, por vários motivos, acabamos deixando de lado, e não somente da comida, mas num todo: o prazer de saborear cada palavra de Machado; o prazer de acompanhar cada riso de nossos filhos, sobrinhos; o prazer de cheirar uma flor; o prazer de se pegar, por vezes quase como um pecado, um segredo, um desvio, se deliciando, somente com o fato de estarmos vivos. 


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